Eduardo Ritter

Albert Camus, exílio e solidão

Por Eduardo Ritter
Professor do Centro de Letras e Comunicação da UFPel
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Depois de ter lido O estrangeiro, de Albert Camus (1913-1960), alguns meses atrás e de ter assistido a um filme biográfico sobre o escritor franco-argelino, fui buscar mais textos dele. Inclusive, durante esse período, por pura coincidência, li um poema do Bukowski (1920-1994) tratando do referido pensador. Em Tudo certo Camus, o velho maldito escreveu: “Foi muito triste - o tempo todo O estrangeiro havia sido meu herói porque eu achava que ele enxergava para além da tentativa - ou do cuidado, porque tudo era uma tamanha chatice tão sem sentido - a vida um grande buraco no chão olhando para cima”. E agora, enquanto leio O exílio e o reino, compreendo que Camus não era apenas um escritor preocupado com os conflitos internacionais de seu tempo, mas também com a sensação de deslocamento que muitas vezes sentimos ao longo da vida.

Em outras palavras, assim como em O estrangeiro, na coletânea de contos Camus fala frequentemente de alguém que não se sente em casa mesmo estando no seu próprio país e na sua própria cidade. Isso justifica porque Bukowski, o símbolo da literatura maldita americana, admirava tanto o autor argelino radicado na França: ambos tinham uma visão de mundo que muitas vezes aparentava um niilismo diferenciado por não se conformar em ficar apenas na inércia da observação.

Após ler quatro dos seis contos da coletânea O exílio e o reino, o que mais me marcou foi O hóspede. Resumindo, o personagem principal é um professor isolado em uma escola em meio a uma guerra no interior da Argélia. Um policial chega, deixando sob sua custódia um prisioneiro árabe, e sugere que o professor o leve até a prisão em um povoado próximo. O professor reluta em cumprir a “ordem”, mas acaba cedendo. Primeiramente, ele dá múltiplas chances para o prisioneiro fugir. Quando o prisioneiro não escapa, o professor o acompanha até a metade do caminho e, faltando ainda algumas horas de caminhada para chegarem ao destino, ele diz: “Por esse caminho você vai para a prisão, por aquele você encontra uns nômades que lhe salvarão.” Em seguida, dá as costas e volta para a escola. Curiosamente, durante todo o tempo, o professor sente raiva do prisioneiro, não pelo crime em si, mas porque a presença dele perturbou o estado reflexivo proporcionado pelo isolamento na escola. Algo como: “Se você não tivesse matado seu primo, ninguém estaria aqui agora me enchendo o saco!”. Enfim, Camus, assim como Bukowski, são autores que provocam reflexões sobre como, às vezes, a solidão e o exílio podem ser benéficos para nosso bem-estar mental, especialmente em um mundo que insiste em se autodestruir. ​

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